quarta-feira, 10 de março de 2010

" FAZES-ME fALTA"

“ Dizias que eu pensava demais – já nem sei pensar em ti. Porque eu pensei sempre em ti ao longo destes anos; pensava no teu sorriso, quando a alegria me escapava, pensava no encanto das tuas frases descoladas, que em vez de gaffes se tornavam velas acesas em jantares obscuros.”
“ Acreditavas na virtude, fazias discursos sobre a coragem e a generosidade, a dignidade e a humanidade. Os meus amigos achavam-te ingénua, cansativa e ingénua. Eras cansativa, sim, mas precisamente por não perderes tempo a tropeçar na ingenuidade. Levavas até ao fim os teus julgamentos, tão cruéis e injustos, às vezes, apenas para desbravares mais depressa o sentido da vida.”
Faz-me falta essa tua ousadia, no deserto da noite que agora atravesso. Fazes-me Falta.”
Um bocado de mim treme ainda de paixão atrás de uma porta onde já não mora ninguém, onde eu nunca morei.”
A minha única âncora és tu, amigo sem lugar de perdição. Em ti, fuga das fugas, chama de segurança, fujo da paixão que me arrancou à vida.
E não procuro nenhum dos outros homens que amei, talvez porque nenhum deles tenha podido guardar mais do que o sabor breve do meu corpo. Amavam a novidade do nosso prazer, o meu sorriso, a minha paixão, o que eu tinha para dar.
Tu, sobriamente, amavas o que eu não dava – o ressentimento, a insegurança, a maternidade. Gostavas de me ver falhar, e não era por vaidade ou piedade, como geralmente acontece entre amigos.”
É esse amor que agora me falta – o sujo, o quotidiano amor dos momentos mau, das frases adversas, das ausências. Fotografas-me em fúria, descabelada, a dormir de boca aberta, a lamber a tampa do iogurte. Ou, tantas vezes, com os olhos inchados de chorar. E eu ficava bem na fotografia.”

Inês Pedrosa, Fazes-me Falta

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