quinta-feira, 29 de abril de 2010

Lágrima de Preta


Encontrei uma preta

que estava a chorar,

pedi-lhe uma lágrima

para a analisar.


Recolhi a lágrima

com todo o cuidado

num tubo de ensaio

bem esterilizado


Olhei-a de um lado,

do outro e de frente

tinha um ar de gota

muito transparente.


Mandei vir os ácidos,

as bases e os sais,

as drogas usadas

em casos que tais.


Ensaiei a frio,

experimentei ao lume,

de todas as vezes

deu-me o que é costume:


Nem sinais de negro,

nem vestígios de ódio.

Água (quase tudo)

e cloreto de sódio.


António Gedeão, Poesias Completas


DIGAM NÃO À DISCRIMINAÇÃO!!!!

quinta-feira, 22 de abril de 2010

"Eu gosto do impossível, tenho medo do provável, dou risada do ridículo e choro porque tenho vontade, mas nem sempre tenho motivo.
Tenho um sorriso confiante que às vezes não demonstra o tanto de insegurança por trás dele.
Sou inconstante e talvez imprevisível.
Não gosto de rotina. Eu amo de verdade aqueles pra quem eu digo isso, e me irrito de forma inexplicável quando não têm fé nas minhas palavras.
Nem sempre coloco em prática aquilo que eu julgo certo.
São poucas as pessoas pra quem eu me explico..."

quinta-feira, 15 de abril de 2010

FAZES-ME FALTA


Como o amor – perfeito – jamais parará de acontecer, jamais parará de contagiar o medo dos vivos, a sua solidão, a sua infinita capacidade de matar devagar.”
“ Por quem sou, não posso calar-me. O que sou é o único lugar seguro que conheço.”
Todos os dias da minha vida estive contigo – como se todas as amizades anteriores fossem só o caminho para chegar a ti, como se todas as amizades posteriores fossem apenas ausência de ti.”
Arrumei os amores, é a primeira regra da vida – saber arquivá-los, entendê-los, contá-los, esquecê-los. Mas ninguém nos diz como se sobrevive ao murchar um sentimento que não murcha
.”
“ Fartas-te do meu corpo, mesmo abstracto? Em que dia me abandonaste? Em que palavras a minha voz se partiu? Que sombra se abriu por dentro dos teus olhos para despedaçar a minha imagem?”
“ Foi sem querer. Se deixei de te comover, de te divertir, de te inspirar, (…), foi sem querer. Foi sem querer que te copiei, para não te perder, para não perceberes que eu se calhar não era capaz. Foi sem querer que se calhar não fui mesmo capaz – preguiçosa, timorata, escondida na gruta da perfeição impossível.”
Se eu imaginasse que continuaria por dentro da morte a chorar por ti, ter-te-ia procurado em vida para te matar.”
Não me deixes morrer. Dá-me um espaço eterno no teu corpo mortal. Não quero que venhas ter comigo, os mortos não se encontram, talvez andem todos por cá, nos buracos negros do tempo, a vigiar os vivos que não souberam amar até ao fim.”
Mas as tuas gargalhadas parecem ter morrido comigo – ri-te, vá lá, lança os braços ao céu e ri-te grandiosamente, como te rias de mim. (…) O mundo não tem sentido – e eu continuo aqui, não sei onde, à espera que alguma coisa aconteça. Porque as mulheres nunca se cansam de esperar que qualquer coisa aconteça, dirias tu, por isso envelhecem tarde. Ou, melhor dito, nascem velhas.”
Os nossos amigos telefonam-me. Dizem-me que tenho que reagir, dizem-me que escreva. Que te escreva. Tu travas-me a mão. Não queres que te escreva.
Não queres que eu faça nada de novo, nada que modifique a nossa história.”
É de olhos abertos que de encontro – nos buracos de silêncio da minha casa, nos interstícios das multidões ao fim da tarde, no bafo sobre os vidros, quando o frio esmaga a noite.
Tive medo de te ir esquecendo, nos primeiros dias, mas não é verdade o que as pessoas dizem sobre o tempo.”
Porque afinal eu amei um homem, um só, como se ama a Deus – com aquela certeza desesperada de que era aquele, e de que nunca me seria possível viver com ele.”
Inês Pedrosa, Fazes-me Falta

quarta-feira, 14 de abril de 2010

sábado, 10 de abril de 2010

FALTA_ME...


Estou outra vez à beira do precipício, presa apenas por uma réstia de cobardia, falta-me a coragem, falta-me o medo, falta-me a lucidez, falta-me a loucura, falta-me a esperança, falta-me o ânimo, falta-me o sonho, falta-me o acordar, falta-me a força, falta-me cair, falta-me reerguer de novo…Falta-me a coesão dos sentimentos…Mas o que me falta de verdade é esquecer e lembrar…


E nisto tudo, não me sinto…sinto tudo, mas não sinto nada…e queria muito ter a coragem de me atirar, para não me sentir mais de vez, ou então gostava que alguém tivesse a ousadia de desafiar o destino e vir-me tirar deste lugar onde permaneço nos últimos tempos e me equilibro num pequeno grão de areia que não desaba nem me segura…Mas esse alguém jamais chegará, porque lhe falta muito mais do que a mim…falta-lhe a coragem de me ter, de me amar, de errar se assim for, de me empurrar e me fazer cair ou de me salvar para sempre…mas o que lhe falta de verdade é esquecer e lembrar…

A SAUDADE





(…) Saudade é o desejo da Cousa ou Criatura amada, tornado dolorido pela ausência.


O desejo e a dor fundidos num sentimento dão a saudade.


Mas a dor espiritualiza o Desejo, e o Desejo por sua vez, materializa a Dor. O Desejo e a Dor penetram-se mutuamente (…) A saudade é também a Tristeza e a Alegria, a Luz e a Sombra, a Vida e a Morte. Ampliada à Natureza, a saudade é a própria alma universal, onde se realiza a unidade de tudo quanto existe (…)


A saudade pelo desejo (desejar é querer, e querer é esperar), em virtude da própria natureza do Desejo, é também Esperança, e pela Dor é Lembrança. Pela Esperança e pelo Desejo, a Saudade é Vénus; pela Dor e pela Lembrança é a Virgem Dolorosa. (…)”



Teixeira de Pascoaes

sexta-feira, 9 de abril de 2010

QUASE

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão ...Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo...e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas nunca mais fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
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Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Mário Sá Carneiro

terça-feira, 6 de abril de 2010

" O tempo passa lentamente para quem espera, é demasiado veloz para quem tem medo, longo demais para quem está de luto, demasiado breve para quem é feliz...mas para quem ama o tempo é a eternidade."

Henry Van Dyke

domingo, 4 de abril de 2010

FAZES-ME FALTA

Agora não sei como libertar-me da névoa em que os teus olhos me guardam. Chora-me e esquece-me como os outros… Chora-me e larga-me. Já passou muito tempo – vejo-o nas tuas rugas, na forma como o teu corpo emagrece dançando sobre a minha memória. Na forma como olhas essa rapariga leve que fui eu. Morri-te, por isso me olhas como só daquela primeira vez.”

Não importa o que se ama. Importa a matéria desse amor. As sucessivas camadas de vida que se atiram para dentro desse amor. As palavras são só um princípio – nem sequer o princípio. Porque no amor os princípios, os meios, os fins são apenas fragmentos de uma história que continua para lá dela, antes e depois do sangue breve de uma vida. Tudo serve a essa obsessão de verdade a que chamamos amor. O sujo, a luz, o áspero, o macio, a falha, a persistência.”

Anjo que tardas, minha lotaria, dá-me as tuas asas que eu dou-te alegria. Anjo sem casa nem sabedoria, balda-te ao céu, faz-me companhia. Anjo fugido, de cabeça esguia, pousa no meu colo e diz-me “ bom-dia”. Anjo enganado, cor da minha vida, volta para o meu lado ou dá-me uma saída. Anjo escuro, pássaro sem medo, levas as minhas penas, dá-me o teu segredo.”

Trocaste-me por alguém, um entusiasmo novo, assim é o amor. Fiquei em ti mas deixaste de precisar de mim, e por isso precisei ainda mais de ti

“ A guerra ensinou-me também, ou sobretudo, isso: que o homem é o único animal capaz de morrer para salvar um estranho.”

“ As noites mais puras. As noites em que amei o maior dos meus amores, aquele que nunca foi meu, aquele a quem nunca pertenci porque apenas me entreguei (…) Desse amor não regressei nem regresso, não o procuro agora… Porque sei que estou no abraço com que ele aperta a sua filha única e tardia, sei que estou no sexo – tão sensual, tão triste – que ele faz com a mulher que escolheu para a vida. Sei que estou nele como um rasto luminoso de morte, e não o quero ver em vida, porque a vida dele nunca teve nada a ver comigo.”

“ E então eu comecei a gastá-lo. Gastei-o tanto que, depois de mim, ele começou a procurar uma vida. Uma história em que pudesse travar a nossa não historia. Quando fazíamos amor, não era o tempo que parava. Nós é que já estávamos mortos, boiando um dentro do outro num azul sem céu nem gravidade.

Inês Pedrosa, "Fazes-me Falta"

sábado, 3 de abril de 2010

Jesus Cristo, Homem que Uniu Contrastes



Jesus Cristo foi o homem que uniu contrastes.
Morreu na cruz perdoando a humanidade,
Saboreou a glória do anonimato,
Surpreendeu a todos com seus actos.

No campo da emoção tinha segurança
Mas, por trás dela, a sensibilidade.
Juntou todos numa só aliança
E ao mesmo tempo permitiu a liberdade.

Nenhum homem foi tão honrado,
Também nenhum outro permitiu tamanha humilhação.
Tudo lhe era inabalado
Até mesmo na hora da crucificação.

Transparecia muita simplicidade.
Mesmo com a grandeza do seu poder,
Fazia com a sua humildade,
O rico, do seu degrau descer.

Jamais veremos maior prova de amor:
Alguém, por nós, morrer na cruz.
Só ELE, o Mestre e Senhor,
Só ELE, Cristo Jesus.


Paloma Andrade Pinheiro

sexta-feira, 2 de abril de 2010

FAZES_ME FALTA

“ No entanto tu amaste-me ainda mais quando te tomei e comi a alma, quando te neguei para melhor me afirmar.”
“ Concentrei-me em deixar de ser para poder ser tudo, em esquecer para dominar a existência (…) estou esgotado de correr contra a dor, contra a memória, contra a infância, contra o amor e o ódio. Criei uma meta de tranquilidade que se afasta tanto mais quanto mais corro para ela. Não há paz no instante, e eu vivo de instante para instante. Começo a temer que a paz se alimente do sangue da paixão de que abjurei.”
Os seres que criáramos precisavam de nos matar para sobreviver. E nós deixámo-nos matar, porque está na natureza do amor estilhaçar-se sem ruído, desfazer-se em vidros e pesar-nos no lugar do coração até que a morte o restaure.”
“ Encosto-me à porta da casa onde deixei um dia a minha alma morta, julgando que apenas largava a pele. A porta de casa onde umas cem vezes o amor me abraçou a bom recato, disfarçado de sexo. Ele está lá, deitado no chão onde começou a matar-me, muitos anos antes da minha morte.”
O teu silêncio esmaga-me. Já não sei procurar as gargalhadas, correr para a alegria momentânea dos regatos. Sou a tua vítima, agora culpado de tudo o que não fiz.”“ O meu amor por ti atinge agora o auge. Já não possuo nada a que me agarrar. Nem o teu corpo, nem a minha razão, nem a vida, lá fora. As pessoas que te conheciam não te servem agora. Lembra-se de ti como de uma morta. Inventam-te. Fazes-me falta. Não te consigo inventar.”
“ Quando tu existias, o vento era apenas o vento. Cada coisa tinha uma forma exacta e uma história de duração. Perdi a natureza que me fazia durar quando te perdi.”
E levaste-me para a cama. Enroscaste-te em mim e começaste a coçar-me as costas, muito devagar. Dormimos muitas e muitas vezes assim – e nunca, nem por um segundo, pensamos em fazer aquilo a que os inocentes chamam sexo.”
“ Derramei sobre a tua vida, por incontáveis noites, os meus breves amores perfeitos, pormenor a pormenor. E tu derramaste sobre a minha as tuas paixões impossíveis, impossíveis de apagar. Desejo-te tanto, ainda.”

Inês Pedrosa, " Fazes-me Falta"

When You're Gone