domingo, 23 de janeiro de 2011

2ª Carta


Nunca vos fiz irem comigo para o hospital porque apanhei uma bebedeira ou porque parti um braço, nunca foram chamados à escola por nenhuma razão, nunca chumbei um ano, nunca tive nenhum acidente nem nunca escavaquei um carro, nunca me meti em conflitos, nunca vos neguei ajuda quando me pediram…Porém não acho que seja uma boa filha, há muito que vos deixei de pedir colo ou dar um beijinho assim do nada. Mas vocês sabem, melhor que ninguém que não o faço por mal, há muito que me deixei de lamechices, sobretudo quando terminei a relação com aquele rapaz, a quem vocês tratavam como um filho e lhe fariam tudo para que, também, ele subisse na vida, e hoje como espectadora atenta, custa-me ver que se se tiverem que cruzar na rua, ele passa para o outro lado da avenida, baixa a cabeça e finge que não vos conhece…sinceramente dói…mas nem sei o que mais me dói, se a ingratidão, a cobardia ou a falta de auto-estima dele…
Bem, mas não falemos nisto agora…já passei muito tempo a dar voltas e voltas à cabeça e ao coração por sua causa, e sei que tu, mãe, quando tudo isto se deu, sofreste tanto ou mais que eu…eu chorava porque perdia uma das pessoas que mais amava na minha vida e tu choravas porque vias que também eu estava perdida…Parece que só o dito rapaz é que não percebia que eu já era mais dele, do que de mim mesma…
E com tamanha perda e com a tristeza que daí advinha, sei que não foi fácil aceitarem a minha mudança de personalidade e feitio que se veio delineado no decorrer dos dias. Mas devo dizer-vos que não era só para vós, embora saiba que em casa era mais notório, mas tal como eu compreendo que para vocês foi difícil aceitar uma “nova” filha, também espero que compreendam que era em casa que a máscara me caia, lá no meu canto não precisava fingir sorrisos nem por um brilho no olhar que não existia, ou se existia eram apenas lágrimas pressas…em casa, eu podia ser exactamente aquilo que era…um pedaço de nada, sem brio nem vontade para viver cada hora prolongada que o tempo me oferecia!
Não foram tempo fáceis, mas nada que a força e o amor de uma família não conseguisse curar…hoje já não sou aquela miúda que achava graça a tudo e a nada, já não sou aquela miúda que ia ao encontro do convívio e do diálogo, às vezes prefiro ficar no meu silêncio, longe da confusão, tentando achar a paz que há tanto tempo procuro e ainda não completei…
Bem sei, que acham que preciso, que alguma coisa de extraordinariamente boa, aconteça na minha vida, para que possam ver a “Helena” dos tempos antigos, sinceramente não sei se isso será possível, aprendemos a estar na vida consoante a lição e o destino que ela nos desenha, e, infeliz mente o meu desenho não é aquele que vocês gostariam que fosse…contudo, deixem-me que vos diga que a melhor coisa que tenho na vida são vocês, e que tenho prefeita consciência que tudo o que sou e tudo o que tenho é a vos que agradeço.
Para terminar, só quero pedir desculpa…Não serei, certamente, a filha perfeita… embora saiba que continuarei a ter a vossa protecção, tal igual como no dia que nasci…por vezes até me aborreço, penso que será desnecessária tanta preocupação, sobretudo, quando, mãe, passas a vida a telefonar-me…Mas de facto, acho que estou muito longe de perceber o sentimento de ser “país”…
Contudo a vocês só três palavras: Obrigado por tudo…


HEsteves

2 comentários:

  1. Não sei se tenho direito a comentar esse texto tão pessoal. Mas, Helena, arrepiei-me todo e isso só é possível, creio eu, quando as palavras são verdadeiras.

    Tudo de bom,

    Edgar Semedo

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  2. Olá Edgar!!!
    Tens todo o direito, e até fico contente que o tenhas feito...No fundo as relações humanas são todas muito iguais...Arrepia-te porque se calhar, também tu te identificas com o que escrevi.
    Obrigado.
    Beijinho.

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