sábado, 28 de agosto de 2010

O André

“O André já cá não está. Já não brinca lá fora debaixo deste sol.
Já não vem de manhã (…)
Nunca mais poderei ralhar com ele (…)
O André era um dos nossos. Já chorámos por causa do André. Temos saudades dele.
Era um dos nossos e partiu à nossa frente.
Para outro lugar.
Gostamos de ter, como tiveram sempre os nossos antepassados, a certeza firme de que a morte é apenas como mudar de casa.
A esperança de que aqueles de quem gostámos estão guardados para nós e nos esperam.
Noutro lugar. O André está noutro lugar. Com quem brincas tu agora, André?
Chegou ao fim do caminho a sorrir. O Almeno, que estava lá naquele sábado, contou que a última coisa que o André fez foi sorrir. (…)
Quem vive a sorrir morre a sorrir.
Disse-me o professor Luís que é costume os bons morrerem cedo. O André era bom. Eu sei.
Não tinha jeito para estudar, nem paciência para estar quieto numa aula durante muito tempo.
Como tantos de nós.
Mas esforçava-se. Tentava.
Uma vez dei-lhe o conselho de não se sentar, nas aulas, à beira dos colegas com quem gostava mais de brincar e conversar.
Disse-lhe que assim podia aprender mais coisas nas aulas.
Não sei se o André conseguiu realmente aprender mais coisas.(…)

O André tentava. E os bons são os que tentam sempre, os que querem melhorar ao menos um bocadinho.
O André não fazia tudo bem. Era preciso ralhar com ele muitas vezes.
Eu não faço tudo bem. Vocês fazem?
Mas gostávamos dele, assim como ele era.
Alguns só agora é que estão a entender como gostavam dele.
É que só podemos gostar de pessoas com defeitos. Porque as pessoas sem defeitos não existem.
Eu ralhei muito com o André, porque às vezes temos de ralhar com as outras pessoas. Mas não deve ser à conta de nos estarem a incomodar. Deve ser para bem delas, porque gostamos delas e queremos que sejam melhores.
Nada de zangas.
Ralhar, sim. Mas ralhar e gostar.”

Paulo Geraldo

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