domingo, 4 de abril de 2010

FAZES-ME FALTA

Agora não sei como libertar-me da névoa em que os teus olhos me guardam. Chora-me e esquece-me como os outros… Chora-me e larga-me. Já passou muito tempo – vejo-o nas tuas rugas, na forma como o teu corpo emagrece dançando sobre a minha memória. Na forma como olhas essa rapariga leve que fui eu. Morri-te, por isso me olhas como só daquela primeira vez.”

Não importa o que se ama. Importa a matéria desse amor. As sucessivas camadas de vida que se atiram para dentro desse amor. As palavras são só um princípio – nem sequer o princípio. Porque no amor os princípios, os meios, os fins são apenas fragmentos de uma história que continua para lá dela, antes e depois do sangue breve de uma vida. Tudo serve a essa obsessão de verdade a que chamamos amor. O sujo, a luz, o áspero, o macio, a falha, a persistência.”

Anjo que tardas, minha lotaria, dá-me as tuas asas que eu dou-te alegria. Anjo sem casa nem sabedoria, balda-te ao céu, faz-me companhia. Anjo fugido, de cabeça esguia, pousa no meu colo e diz-me “ bom-dia”. Anjo enganado, cor da minha vida, volta para o meu lado ou dá-me uma saída. Anjo escuro, pássaro sem medo, levas as minhas penas, dá-me o teu segredo.”

Trocaste-me por alguém, um entusiasmo novo, assim é o amor. Fiquei em ti mas deixaste de precisar de mim, e por isso precisei ainda mais de ti

“ A guerra ensinou-me também, ou sobretudo, isso: que o homem é o único animal capaz de morrer para salvar um estranho.”

“ As noites mais puras. As noites em que amei o maior dos meus amores, aquele que nunca foi meu, aquele a quem nunca pertenci porque apenas me entreguei (…) Desse amor não regressei nem regresso, não o procuro agora… Porque sei que estou no abraço com que ele aperta a sua filha única e tardia, sei que estou no sexo – tão sensual, tão triste – que ele faz com a mulher que escolheu para a vida. Sei que estou nele como um rasto luminoso de morte, e não o quero ver em vida, porque a vida dele nunca teve nada a ver comigo.”

“ E então eu comecei a gastá-lo. Gastei-o tanto que, depois de mim, ele começou a procurar uma vida. Uma história em que pudesse travar a nossa não historia. Quando fazíamos amor, não era o tempo que parava. Nós é que já estávamos mortos, boiando um dentro do outro num azul sem céu nem gravidade.

Inês Pedrosa, "Fazes-me Falta"

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