sábado, 21 de maio de 2011

O coração dele...

Filipe estava sentado, num velho sofá de couro, imóvel perante a janela do quarto, olhava através da vidraça e observava a forma como o vento agitava as folhas, no seu pensamento nada ocorria, apenas o vazio e a apatia…ouviu passos no corredor de sobrado velho e mascado dos bichos, eram passos cansados mas leves…
A porta do quarto gemeu, entrou um aroma suave e fresco, e num súbito segundo a sua memória correu anos e anos atrás…sim! Era Helena, a Helena que ele beijou embrulhado numa fantasia de Soldado, a Helena que ele diz ter amado e que abandonou dizendo que a amava, a Helena de quem se despediu com um sorriso no rosto e uma carícia na face, a Helena que ele fez sofrer, fez chorar, a Helena a quem virou costas sem querer ouvir as suas palavras…Sim! Era essa mesma Helena que entrava pela porta.
Os anos trouxeram-lhe as rugas e os cabelos brancos, talvez lhe tenham trazido muitas outras coisas fora do alcance dos olhos, mas ela tinha o mesmo olhar de sempre, o mesmo sorriso, o mesmo perfume…
Sem dizer uma palavra, sentou-se numa cadeira em frente dele…olhou-o e sorrio… e enquanto remexia a mala, pronunciou: “ O que os anos fizeram a uma pessoa”… depois tirou finalmente uma caixinha da mala…dentro dessa caixinha estava um coração de prata que ele lhe deu um dia, e que ela carregou em todos os dias da sua vida… e foi então que ela numa voz firme e doce perguntou:
- Lembraste disto?
- Como é que me poderia esquecer?
- Não esqueceste, mas também nunca lembraste…chegou o momento de o devolver…cansei-me de o trazer comigo!
- Aceito, mas promete-me que nunca te vais esquecer de mim…
- Hoje não farei promessas, teria feito todas as que quisesses há uns anos atrás… hoje vou, sobretudo, lembrar-me de quem esqueci já há algum tempo…
Ele iria pronunciar algumas palavras, mas ela impediu-o…colocou o dedo nos lábios dele, “pshiuuu, não digas nada” deu-lhe um beijo na testa, olhou-o, sorrio, piscou-lhe o olho e saiu…
No outro dia, pela manhã, Filipe ouviu os sinos ecoar … pegou na bengala, colocou o seu sobretudo, meteu o chapéu preto e caminhou até ao caixão de Helena…
- “ Minha “pobre” Helena lembraste-te de lembrar de ti tarde demais…”
Tirou o coração de prata do bolso e colocou-lho sobre o peito…
- “ Hoje devolvo-te não só este, mas também o meu…”
Deu um suspiro…e na sala, instalou-se a agitação…










HEsteves

1 comentário:

  1. Talvez ele neste dia não tenha devolvidos só ambos os seus corações...talvez possa também ter-lhe devolvido o dela!!!

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