terça-feira, 5 de outubro de 2010

O LEPROSO


"(…) A solução está em não haver solução. E esta forma divertida de aceitarmos que a vida seja como é, este modo sossegado de cooperarmos com o inevitável, significa para nós uma serenidade que é um tesouro sem preço.
Para os outros, somos somente a lembrança desagradável de que não passam, também eles, de leprosos adiados e de futuros cadáveres; de que, sem dúvida, não terão neste lugar o seu paraíso, por mais que façam crescer o saldo da sua conta bancária.
Somos um grito em forma humana, um aviso irrecusável, uma censura que inevitavelmente se aloja no fundo das consciências.
E, por isso, fomos empurrados para estas cavernas. O que, de resto, não nos incomoda demasiado, pois todo o planeta é, de certo modo, uma caverna. Lembramos perfeitamente a frase da mulher santa de Ávila, quando disse que esta vida não pode ser mais do que uma má noite numa má pousada.
Não querem cruzar-se connosco. Desejam abraçar sem perturbações a voragem alucinante do seu caminho de prazer e vaidade.
E viemos para estas cavernas. Os idosos foram expulsos das suas famílias e encerrados em “lares”. Planearam a eutanásia para se verem livres dos doentes. E abortaram aqueles que poderiam vir a nascer com deficiências. E muitos foram abandonados às suas dores na solidão de negros hospitais. E fizeram muitas outras coisas.
Mas, do fundo destes buracos, temos um segredo para lhes dizer.
Quando, num momento de lucidez, descobrirem que tudo é vazio, venham ter connosco. Quando não souberem como fazer dos filhos homens direitos, passeiem com eles por um cemitério, sentem-se com eles à beira de um doente que sorri no leito onde vai morrer, levem-nos aos lugares onde há crianças esfomeadas a brincar, descalças e alegres.
Sim, podemos contar-lhes o segredo da alegria, o segredo da bondade das coisas más, o segredo da plenitude que habita as coisas simples."


(Paulo Geraldo)

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